sábado, 25 de junho de 2016

As estações do Vermelho




 
Mark Rothko


Pintar é pensar, meditar sobre formas pictóricas que serão entregues ao olhar de quem aprecia o infinito de retângulos mergulhados em campos de cor. As delimitações da forma e da cor são impregnadas de conhecimento e especulações de um ponto de vista estritamente particular, o vermelho de cada observador. Afinal, “o que é Vermelho?”

Ao som de uma música clássica, as cortinas se abrem e temos Rothko diante da plateia personificado pelo ator Antonio Fagundes. Em uma caracterização marcada pelo desgaste do tempo, expressa em um corpo curvado com um ventre alto e sustentado por calças altivas que o colocam no lugar de um homem maduro, difícil e pensativo. Uma imagem potente que sugere ao espectador o tom do universo dramático de Vermelho, uma peça sobre os dilemas do olhar em uma sociedade marcada pela estética do espetáculo. O artista obcecado por um de seus murais provoca o seu novo assistente: “O que você vê?”

O processo criativo, a formação e as angústias de um artista da arte moderna – o russo Mark Rothko (1903-1970) - são o cerne da cena teatral apresentada pelo diretor Jorge Takla, a partir do texto “Vermelho” (Red) de John Logan, laureado com cinco prêmios Tony, sendo um deles o de melhor espetáculo.

O dramaturgo e roteirista norte-americano John Logan tem participado também de inúmeros projetos cinematográficos de sucesso: “Gladiador de Ridley Scott, “O aviador e “A invenção de Hugo Cabret de Martin Scorsese, “Sweeney Todd: o barbeiro demoníaco da rua Fleet de Tim Burton e “007 – Operação Skfall de Sam Mendes. Com a peça de teatro sobre Rothko, Logan diz: “Com Red eu estava interessado na passagem de uma geração e no relacionamento entre pais e filhos.” 

Rothko integra um grupo de artistas que constituiu o Expressionismo Abstrato (Escola de Nova Iorque), arte de ruptura dos padrões vigentes que se caracterizava pelo processo, pelos sentimentos produzidos no próprio ato da pintura. O artista instituiu a pintura de “campo de cor” onde a configuração da obra apresentava a força emocional da cor pura. 

A montagem em seu processo de criação de um texto teatral construído de forma clássica, que prima pelo próprio texto (discurso), pela palavra tornada potência dramatúrgica, convida o espectador ao exercício do olhar, a refletir sobre os dilemas da subjetividade do observador em um contexto histórico e estético no qual a arte está sob a égide da sociedade de consumo. Muitas das vezes, o objeto artístico é apenas um elemento de um espetáculo vazio, desprovido de significado social. Ficamos na espera de uma arte que possa ocupar o lugar de agente de conhecimento e superação do passado. As angústias de um artista de ego colossal diante de seu tempo se deparam com o dilema de que “um dia o preto vai engolir o vermelho”.

O rigor e a plasticidade do espetáculo de Takla se associam à intensidade das palavras do texto teatral de Logan, das formas e cores pictóricas de Rothko e de suas ideias e afetos que o tornam um artista constrangido com a lógica de uma sociedade de espetáculo voraz. A performance pictórica dos personagens Rothko e Ken (Bruno  Fagundes) constroem um quadro dramático onde cada movimento cênico constitui uma dinâmica na qual “cada pincelada (movimento) é parte de uma tragédia”. Uma tragédia onde contemplação, razão e emoção irão deflagrar uma tensão criadora. As entradas e as saídas de cena no atelier de Rothko, um velho galpão na 222 Bowery, Nova Iorque, são momentos de intensa carga dramática apresentando-se como uma partitura de tensões de ideias e de formas pictóricas. Os objetos cênicos (projeto de design de cenário concebido por Takla) se movimentam como se fossem pinceladas de um quadro a procura de uma forma que possa provocar o espectador. O projeto de design de luz criado por Ney Bonfante pontua a palheta de cores das telas e do cenário através de contrastes que criam um atrito no olhar. 

 



A peça retrata o período de 1958-59 (anos da fase denominada “anos do classicismo” na trajetória do artista) no qual Rothko trabalha na produção dos murais do restaurante Four Seasons, em Nova Iorque, no lendário Edifício Seagram (1958), um marco da arquitetura moderna projetado por Mies van der Rohe e Philip Johnson. A encomenda milionária torna-se o centro nevrálgico das inquietações do artista que oscila entre a cooptação a um projeto de mercado, onde os seus murais seriam objetos apenas de decoração e de luxúria, e a manutenção de uma presença romântica fidedigna ao seu ideário estético e político. Rothko fazia questão de ter controle absoluto tanto do lugar de suas obras quanto de quem as via. O observador precisava, segundo ele, se relacionar tanto de forma física quanto emocional com a obra de arte. No restaurante as pinturas seriam disputadas por movimentos, falas, goles, mastigações e sons inoportunos. O artista deveria ser autônomo como a própria arte (pintura): “deixa a pintura fazer o seu trabalho”, dizia ele. 

A relação de mestre (Rothko) e discípulo/assistente (Ken) - ou pai e filho -, mostram a importância do embate entre gerações, talentos e experiências de vida no reposicionamento diante de situações que comprometem a mente obcecada do artista. Rothko desiste da encomenda e devolve o dinheiro a partir de um processo de constantes questionamentos e, por fim, sob aplausos por parte de Ken. “Nada deve se interpor entre a minha pintura e o observador” pensava o artista. O preto não engoliu o vermelho, mas Rothko ficou mais pobre.

O espectador acompanha cada cena diante da técnica teatral empreendida para levá-lo a um lugar de possibilidades infinitas do olhar, da extensa gama de vermelhos vistos e ainda não vistos. O ritmo cênico pontuado por um discurso pertinente à cena contemporânea (talvez de um romantismo fora de época ou nunca existente diante de um mercado de arte selvagem) e o rigor plástico fazem do espectador um aliado do drama vivido pelo artista, pelos artistas imbuídos por um ideal. A experiência de uma geração, um momento artístico sob uma outra lógica, é explicitado na cena final na qual Rothko fala para Ken: “Quando eu tinha a sua idade, arte era uma coisa solitária: sem galerias, sem coleções, sem críticos, sem dinheiro. Nós não tínhamos mentores. Nós não tínhamos pais. Nós estávamos sozinhos. Mas era um grande tempo, porque nós não tínhamos nada a perder e uma visão a ganhar”.

A metamorfose do olhar diante do vermelho percorre mais do que as quatro estações de Vivaldi. Um olhar atento balbucia, mas não tarda a percorrer os caminhos do infinito diante dos campos de cor. O coração sente o que um olhar entregue conseguiu conquistar a partir de embates estéticos e éticos de um artista em processo de insurreição.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Rubem Braga: o fazendeiro de crônicas e passarinhos





Uma cobertura no bairro de Ipanema, na Rua Barão da Torre, 42, onde o silêncio era um espírito encantador de palavras que se movimentavam por entre folhas, flores, frutas e pássaros. Nesse cenário paradisíaco, uma reprodução da bucólica Cachoeiro de Itapemirim, concebida pelo paisagista Burle Marx e pelo arquiteto Sergio Bernardes, o jornalista e cronista Rubem Braga reverenciava a natureza e as palavras em tom confessional. Um homem recatado, misterioso, mas que o amigo e, também, cronista, o erudito Paulo Mendes Campos comentou: “Descobri o que você é. Você é um fazendeiro do ar”.

Rubem Braga deve estar querendo romper com sua solidão diante da exposição “Rubem Braga: o fazendeiro do ar”, sob a curadoria do escritor, jornalista e cronista Joaquim Ferreira dos Santos, que esteve em cartaz no Galpão das Artes Espaço Tom Jobim, em pleno Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, em 2014. Uma exposição comemorativa do centenário de seu nascimento: uma homenagem a um jornalista brasileiro (Braga não se considerava um escritor) que produziu cerca de 15 mil crônicas nos seus 62 anos de intensa criação e fascínio pela vida, pela natureza. Uma declaração de amor à arte da crônica: às “pequenas pilhas de palavras” assim denominadas pelo jornalista capixaba. Tom Jobim e Rubem Braga provavelmente estão costurando parcerias: sinfonias que nos farão vivenciar palavras e sons embalados pelo afago do ar. As palavras do jornalista irão nos abalar até as entranhas. Ai de todos nós! Ai de ti, Jobim! Ai de ti, Copacabana!

A exposição conduz o visitante a um percurso demarcado pelos seguintes módulos: “Retratos” – registros fotográficos de várias épocas da vida de Rubem Braga; “Capital secreta do mundo” – a memória da infância em Cachoeiro de Itapemirim; “Redações” – onde ele atuou como redator, repórter político e de artes plásticas em vários jornais; “Guerra” - como correspondente nos campos da Itália; “Cobertura” - a casa mitológica na qual a natureza reproduz o paraíso de sua terra natal; e “Passarinhos” - a vivência com as grandes paixões da vida do cronista. Uma memória que é revisitada pelo embate entre o real e o imaginário expresso em suas crônicas que, segundo José Castello: “Um cronista, por fim, é isso mesmo: lida com realidades mínimas, sentimentos imperceptíveis, arranca suas histórias de um quase nada”. Enfim, a terra materializa em comunhão com o ar o suspiro da criação.

A concepção cenográfica da exposição foi idealizada pelo arquiteto e designer de exposições e museus, Felipe Tassara, que procura apresentar o sujeito e jornalista Rubem Braga materializados através de uma memória visual e afetiva pontuadas por textos, documentos, fotografias, desenhos, pinturas, objetos, publicações e depoimentos em vídeos que aparecem ao longo dos diversos módulos.

Em um primeiro momento, o visitante se depara com um jogo de retratos 3x4 de Rubem Braga que apresenta as nuances das diversas fisionomias que o cronista expressou ao longo tempo. Um formato em tom noir que lembra as famosas séries de retratos de Andy Warhol: a celebração de um cronista brasileiro por bem mais de 15 minutos. Um exercício do olhar para quem vai adentrar um mundo ainda não conhecido: uma possibilidade de se percorrer o real rumo ao imaginário. Um universo de crônicas a ser desvelado a partir da produção inicial de José de Alencar, Machado de Assis e João do Rio que marcou o gênero. Afinal, como era a vida do cronista que tinha como matéria-prima as histórias contadas e vividas por pessoas comuns?

“Capital secreta do mundo” é desenhada a partir de 10 caixas suspensas (cubos em alturas diferentes) contendo textos e fotos. As caixas aparecem como depositárias da memória de infância de Braga nas quais o visitante é levado a ter uma proximidade física e temporal com um passado formador de uma expressão de vida. O revestimento em espelho no interior das caixas faz reverberar conteúdos que repercutem na percepção de quem busca a origem do homem e do artista: de um lugar (de uma aldeia) de geração de sensibilidades para o mundo. Joaquim Ferreira dos Santos comenta: “Ele partiu do princípio dos mestres, a de que é falando de sua aldeia que um escritor pode ser internacional”. A crônica de Braga se tornou um clássico da cena do mundo global.

A longa trajetória do cronista nas redações dos jornais desde o Correio do Sul até o Estado de S. Paulo aparece demarcada em uma ambientação com reproduções de diversos jornais nas paredes e no chão. O espaço é pontuado por 10 mesas de trabalho que apresentam os temas: Espírito Santo, Revista Manchete, Diplomata, O andarilho, Homem de televisão, Editor, Repórter, Escritor, Arte e O homem Rubem Braga. Temas que refletem a experiência profissional e de vida de um artífice da arte da crônica. Em cada mesa temos um iPad (que substitui a folha de papel) acoplado à lendária máquina de escrever (a Hermes Baby de Braga) que ao ser utilizada reproduz textos do cronista. Essa proposta cenográfica simboliza uma atualização das antigas redações aos novos meios digitais. Mas fica uma pergunta: teria a arte da crônica de hoje se atualizado em sua forma e conteúdo diante das prerrogativas digitais?






A prática de trabalho do cronista, além do uso manual da máquina de escrever, era marcada pela presença da secretária Aracy Seljan (ex-cunhada), a “governanta literária” Momy, que o acompanhou durante 48 anos, exercendo a função de copista e revisora de seus textos. Uma função em extinção nos dias atuais: a “governanta digital” hoje abraça a vida e o trabalho de nossos escritores, das pessoas comuns que poderão sugerir temas para a confecção de crônicas atemporais.

Aviões de papel em origami no teto sobrevoam a sala do módulo “Guerra” que recria a atmosfera da atuação de Braga como correspondente de guerra, no ano de 1944, pelo Diário Carioca, na batalha de Monte Castelo, na Itália. Com o mesmo tratamento nas paredes e no chão do módulo das “Redações” o espaço tem uma grande mesa que abriga 10 telefones antigos, em estilo dos anos 40, que ao serem tirados do gancho pelo visitante apresentam músicas, jingles, trechos de programas de rádio e noticiários do período da 2ª Guerra Mundial. Projeções na parede na altura de uma das cabeceiras da mesa ilustram o período vivido pelo jornalista entre os combatentes de guerra que resultou na publicação do livro de crônicas “Com a FEB na Itália”. 

Sob os aviões de papel passamos para “Passarinhos”: os “anjos da natureza” de Rubem Braga. Um ornitólogo com estilo que soube escrever sobre o sabiá, bem-te-vi, canário, corrupião, tuim, melro, curió, coleiro, papa-capim, bicudo e galo de campina. Uma revoada de pássaros (também em origami) cobre o espaço com um chão coberto de folhas secas. Sob uma sonoplastia de cantos de pássaros, o visitante é levado a interagir com eles a partir da projeção de suas imagens em uma tela, captada por uma câmera, que faz com que os pássaros pousem e brinquem nas mãos dos visitantes. Um momento de interação lúdica e tecnológica em tempos de busca de encantamento com a natureza. O formato digital recria a atmosfera vivida pelo cronista em seu dia-a-dia de inspiração e exaltação da vida. 

Um cronista que confessa o seu amor pelos pássaros em seu primeiro livro, “O Conde e o passarinho”, publicado no ano de 1936 pela Editora José Olympio: “Devo confessar preliminarmente que, entre um Conde e um passarinho, prefiro um passarinho. Torço pelo passarinho. Não é por nada. Nem sei mesmo explicar essa preferência. Afinal de contas, um passarinho canta e voa. O Conde não sabe gorjear nem voar ... O passarinho não é industrial, não é Conde, não tem fábricas. Tem um ninho, sabe cantar, sabe voar, é apenas um passarinho e isso é gentil, ser um passarinho.” Ana Maria Machado diria que Braga vivia em estado de “ternura recôndita” permanente.




          Por fim, temos a cobertura de Rubem Braga ambientada por uma fotografia panorâmica dos arredores de Ipanema nas paredes do espaço; pinturas de Dorival Caymmi e Clóvis Graciano e desenhos de Carlos Scliar, Cândido Portinari e Carybé retratam o cronista; fotografias de Paulo Garcez registram os encontros com os amigos; réplicas de móveis da cobertura e duas grandes mesas de centro que apresentam vídeos com depoimentos memoráveis de Ziraldo, Zuenir Ventura, Ana Maria Machado, Danuza Leão, Fernanda Montenegro e José Hugo Celidônio (com a ausência de sua paixão: a bela Maricota, a atriz Tônia Carrero) e um Google earth que faz uma associação alternada entre a localização da cobertura e a da casa de nascimento do cronista. Todos esses elementos cenográficos sugerem o clima de acolhimento que Braga tinha com a natureza e sua criação. Vinicius de Moraes dizia: “Ele se exprime para dentro ... Parece estar sempre virado pelo avesso.” Apesar do convívio com os amigos, Braga tinha uma vivência profunda consigo mesmo, em um ambiente natural glorioso, pontuado pela produção de crônicas de um lirismo poético coloquial tratando de cenas de nosso cotidiano. Vivia uma vida intensa sob a égide de “Uma solidão muito cheia”, declarava ele próprio.


        Uma cobertura silenciosa como deveria ser a cidade que podemos reconhecer na crônica “As músicas de Deus”: “Em toda grande cidade devia acontecer assim: de repente um apagamento de todas as luzes para toda gente recordar a noite, o escuro, as estrelas e, mesmo, um pouco, Deus”. O silêncio da crônica de Braga, um “budista que meditava em voz alta”, parafraseando Manuel Bandeira, nos faz lembrar da necessidade da escuta na emissão das palavras e dos gestos em nossos cotidianos reveladores de vida. Só assim poderemos nos tornar passarinhos ...




domingo, 12 de junho de 2016

CD Pacífico (2011)

Design by Felipe Taborda



  1. Um Pouco de Chuva (Jorge Costa e Rosa Amélia);
  2. Dindi (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira);
  3. Melodia Sentimental (Villa Lobos);
  4. Voz Infinita (Jorge Costa e Rosa Amélia);
  5. É d’Oxum (Gerônimo e Vevé Calasans);
  6. Disparada (Geraldo Vandré);
  7. A Primeira Estrela (Tulio Mourão, Milton Nascimento e Tavinho Moura);
  8. When You wish Upon a Star (Ned Washington e Leigh Harline);
  9. Pacífico (Jorge Costa);
  10. Edelweiss (Richard Rodgers e Oscar Hamerstein II); e
  11. Boa Noite Amor (José Maria de Abreu).

sábado, 4 de junho de 2016

Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e o movimento moderno

Oscar Niemeyer e Lucio Costa (autoria desconhecida)



             
O surgimento de um artista em uma determinada sociedade se associa ao momento histórico no qual ele está inserido. Sua obra floresce a partir do enfrentamento do seu talento individual com o universo sociocultural estabelecido. O poder transformador de uma personalidade artística se dá quando ocorre uma percepção acerca da necessidade do estabelecimento de uma nova prática, em consonância com o avanço científico e tecnológico em curso, visando à ampliação da consciência social. Walter Gropius declara “o trabalho do verdadeiro artista, em sua busca despreconcebida, consiste em encontrar a expressão simbólica formal para os fenômenos de nossas vidas”. As novas formas simbólicas se constituem em fontes inspiradoras para a efetivação e assimilação do elemento inovador pelo corpo social.

Primeiros momentos


A primeira manifestação dos novos tempos da arquitetura moderna brasileira aparece na Semana de Arte Moderna de 1922, ocorrida em fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo. O universo sociocultural está apto, neste momento histórico, para iniciar o desenvolvimento do espírito moderno nas artes.

O ano de 1922 agrega vários fatos históricos significativos: o centenário da Independência, com a Exposição Comemorativa Internacional no Rio de Janeiro; o primeiro Movimento Tenentista; a criação do Partido Comunista e a Semana de Arte Moderna. A efervescência político-cultural predispõe a sociedade para mudanças significativas em sua trajetória, delimitando uma ruptura com o passado, um salto cultural representativo.

A semana de 1922 surge como um ajuste de contas do Brasil com a modernidade, no intuito da expressão do nacionalismo e do individualismo, em oposição à hegemonia européia. É a busca da arte nacional, através de uma pesquisa apurada de nossas raízes, em contraposição ao neoclássico e outras expressões artísticas estabelecidas pela Academia de Belas Artes, instituída em 1816, pela missão francesa.

A arquitetura não teve um papel significativo na Semana de Arte Moderna, sendo representada, apenas, pelo espanhol Antônio Garcia Moya, com sua visão futurista. A expressão do movimento aparece com a participação de vários literatos, os concertos de Villa Lobos, os quadros de Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, Anita Malfatti e do suíço John Graz, além das esculturas de Victor Brecheret.

O Modernismo, com a discussão acirrada da questão nacional, provocando embates entre os futuristas e conservadores, manifesta-se através de várias correntes que repensam a relação com o passado. A tônica foi a fusão de três princípios: direito de pesquisa estética, atualização da inteligência e a estabilização da consciência criadora nacional.

A primeira corrente, a verde-amarela, pregava uma ruptura radical com o mundo, na busca das raízes nacionais; a segunda, a corrente antropofágica de Oswald de Andrade, não via a necessidade de distanciamento com o mundo, preconizando a deglutição da cultura internacional na captação das energias disponíveis. A terceira e última corrente, a de Mário de Andrade, incorporava a cultura local ao mundo, visando a uma contribuição do Brasil ao cenário internacional.

Mário de Andrade foi um dos grandes defensores do Modernismo, reconhecendo o valor da arte nacional, com vistas à repercussão de nossa cultura. Ele considerava o modernismo um movimento espiritual que estava precedendo a mudanças de ordem social, representadas pela Revolução de 1930.

Após ter assumido em 1936 o Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo, Mário de Andrade realiza a famosa viagem de 1938, a Missão Folclórica, a qual tinha como objetivo produzir um registro dos usos e costumes do povo brasileiro. Essa radiografia de nossa cultura apresentava-se como imprescindível para afirmação de nossa identidade frente aos movimentos internacionais.

Toda a produção artística e intelectual resultante da semana de 1922 atraiu Gregori Warchavchik para São Paulo. A primeira casa moderna (1928), na Vila Mariana, projeto do arquiteto, aparece como o começo da implantação da arquitetura moderna no Brasil. A obra possuía uma estrutura retilínea em concreto, e design inspirado na estética do cubismo. Em 1925, Warchavchik expõe suas idéias em um manifesto denominado “Futurismo” no jornal italiano Il Piccolo, sobre a arquitetura funcional, citando a obra inspiradora de Le Corbusier. O manifesto é um documento histórico, no qual o autor apresenta as novas idéias que irão anunciar a arquitetura moderna como um estilo internacional.

O funcionalismo remonta, ao final do século XIX, enunciado pelo arquiteto norte-americano Louis Sullivan. Essa tendência estilística preconizava a subordinação da forma à função, aliando a utilidade prática à economia de materiais, despojamento de elementos arquitetônicos desnecessários; em suma, o conceito de beleza se relacionava à simplicidade da forma.

Apesar de seu caráter inovador, a casa moderna de Warchavchik resultou de um trabalho artesanal, com moldes feitos manualmente, material importado da Europa e orientação especializada para os construtores da estrutura, no que se refere à elaboração do concreto armado.

A gênese da arquitetura moderna



O começo do processo de implantação da arquitetura moderna no Brasil aparece de fato a partir da evolução tecnológica e industrial, implementada pelo Governo de Getúlio Vargas, e a partir do papel empreendedor de Lúcio Costa, em 1930/31, como diretor da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA).

Lúcio Costa adota um novo modelo curricular, baseado na abordagem funcional da Bauhaus e de Le Corbusier. A implementação do princípio funcionalista se dá principalmente com a participação na Academia de Warchavchik, na composição arquitetônica; de Alexander Baddeus, na engenharia; e de Celso Antônio, discípulo de Antoine Bourdelle, na escultura.

O resultado da nova visão é absorvido pelos estudantes da época. Em 1936, os irmãos Roberto - Milton, Marcelo e Maurício -, se destacam com o projeto do edifício da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que se constitui no primeiro esforço de assimilação do funcionalismo de Le Corbusier no Rio de Janeiro. O prédio da ABI foi a primeira obra de grandes proporções edificada no Brasil. O edifício utiliza o brise soleil vertical, em concreto pré-moldado com cimento branco, superfície envidraçada com esquadrias de madeira, uso de pilotis e terraço-jardim de Burle Marx, elementos da arquitetura moderna.

Pode-se verificar que o redimensionamento no campo da arquitetura e urbanismo é fundamentado pelo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam), criado em 1928, na Suíça, por um grupo de arquitetos modernos europeus. Os congressos se realizaram até 1956, com um total de dez encontros, onde foram discutidos o estudo da moradia mínima; o loteamento racional; a análise de 33 cidades - que resultou na Carta de Atenas; o problema da moradia e lazer; a questão do centro - do coração das cidades e do estudo do habitat humano. Le Corbusier e os arquitetos do Ciam transformaram as cidades em grandes laboratórios, em um processo de busca da adequação harmoniosa entre o homem e seu espaço.

Na realidade, a visão francesa foi a que predominou durante os encontros, representada pela ‘Carta de Atenas” (1933), documento elaborado por Le Corbusier, a partir de suas cidades ideais, “Uma cidade contemporânea para três milhões de habitantes” (1922) e “A cidade radiosa” (1930). O documento apresenta o programa do Urbanismo Racionalista, também denominado Urbanismo Funcionalista, que tem como premissa o planejamento regional e intra-urbano; a prioridade de utilização do solo urbano para fins coletivos; a industrialização e padronização das construções; limites para o tamanho e a densidade das cidades; a concentração das edificações relacionada com áreas de vegetação; o uso intensivo da técnica moderna na organização das cidades; zoneamento funcional; a separação da circulação de veículos e pedestres e a utilização de uma estética geometrizante.

Os pilares do urbanismo são estabelecidos em quatro funções: habitar, trabalhar, recrear e circular. Posteriormente, o Ciam incluiu uma quinta função, a de “centro público” de atividades administrativas e cívicas. As cinco atividades levadas em consideração resultariam em um modelo de cidade que atenderia às necessidades básicas dos seres humanos, independente da cultura e da classe social encontradas nas sociedades.

O pensamento de Lúcio Costa


Após a passagem pela ENBA, de 1932 a 1935 Lúcio Costa estuda a obra teórica de Le Corbusier, em seu tríplice aspecto - o social, o tecnólogico e o artístico/ plástico. A obra do arquiteto é considerada para ele o “Livro Sagrado” da arquitetura, apesar da importância da obra de Walter Gropius e Mies van der Rohe.

A obra de Le Corbusier se enquadra no modelo progressista da história do urbanismo, o qual rompe com a tradição cultural, priorizando a expressão da razão, a serviço da eficácia (cidade-instrumento) e da estética (cidade-espetáculo). O sentido da eficácia baseia-se, principalmente, na questão da saúde e da higiene (noções de sol e verde), visando à implantação de um lugar ótimo de produção socioeconômica; e o da estética, sendo um centro representativo de criação humana.

O pensamento de Le Corbusier, de uma certa forma, tem maior repercussão, devido a sua consciência social e a sua preocupação com os países em desenvolvimento. Foi no Brasil que Le Corbusier encontrou espaço para a implantação de suas idéias de forma impactante e duradoura.

Lúcio Costa, apesar de engajado ao movimento moderno, possuía um profundo conhecimento da arquitetura colonial, a qual considerava uma estética com perfeita adaptação ao meio ambiente e à função, constituindo uma obra de beleza exuberante.

Em 1937, Lúcio Costa torna-se consultor de Rodrigo Mello Franco de Andrade no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a partir dos estudos e intervenções nas ruínas dos Sete Povos das Missões Jesuíticas, no sul do país.

A conciliação entre arquitetura moderna - estilo que se caracteriza pela identificação das formas estéticas e estruturais, a coincidência entre arquitetura e construção, com a questão da preservação histórica - o passado colonial, leva-nos ao pensamento central da obra de Lúcio Costa - a Teoria das Resultantes Convergentes. Segundo ele, “o desenvolvimento científico e tecnólogico não é o oposto da natureza, mas a própria natureza que através do seu estado lúcido, que somos nós, revela o lado oculto, virtual”. Na realidade, esses interesses aparentemente contrários, convergem e se situam em um mesmo âmbito: o de propiciar ao homem um desenvolvimento pleno de seu potencial. 


O marco da arquitetura moderna 


A sistematização das idéias de Lúcio Costa ocorre de fato em 1936, a convite do ministro Gustavo Capanema, em seu projeto para o Ministério da Educação e Saúde (MES). A equipe é constituída por Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos. O MES representa um marco histórico, visto que pela primeira vez se edifica uma obra, em escala monumental, segundo os princípios da nova tecnologia construtiva de aço e concreto armado, e um marco simbólico, por ser uma obra elaborada por arquitetos novos e inexperientes, em um país social e tecnologicamente subdesenvolvido.
           
A construção do Palácio Capanema (MES) ocorreu em ritmo lento a partir de 1937, com inauguração em 1945. A obra teve como responsável pelo cálculo estrutural, o engenheiro Emílio Baumgart; como chefe de obras, Souza Aguiar; e como técnico principal para as instalações, Carlos Ströebel. O projeto tem influência marcante de Le Corbusier, que veio, a convite da equipe, em 1936, orientar no desenvolvimento do partido arquitetônico.

O Palácio é situado na área relativa ao Plano de Alfredo Agache (1926/30) - plano de remodelação, extensão e embelezamento da cidade -, figura importante para a história do urbanismo no Rio de Janeiro. O local se situa no antigo Morro do Castelo, quadra F, área que tinha previsão de galerias para as calçadas, pátios internos coletivos para as quadras e passagens.

O conjunto arquitetônico é formado por três corpos inter-relacionados: administrativo, auditório e salão de exposições. O bloco principal tem 14 pavimentos, sobre pilotis de 10 m. A fachada norte possui brises móveis horizontais, estruturados em placas fixas verticais; a fachada sul apresenta um grande pano de vidro.

O MES traz um princípio de integração em relação à arquitetura e ao espaço urbano; arquitetura e arte, através de Portinari (mural e painel de azulejos), Celso Antonio, Bruno Giorgi e Leipzig (esculturas); e arquitetura e paisagismo (os jardins de Burle Marx).

Para Lúcio Costa, o Ministério da Educação e Saúde “não é apenas um marco de uma época, mas de um excepcional momento de idealismo e de lucidez, no quadro confuso dessa época”. A obstinação de Capanema e dos arquitetos envolvidos fez com que se superassem os obstáculos culturais, políticos e técnicos do período.

O papel de Le Corbusier é fundamental quanto à concepção do projeto - a implementação do ideal moderno em solo carioca, a assimilação de um invento internacional, pelo talento de uma equipe brasileira, que procurou realizar uma apropriação adequada para nossa realidade.

Le Corbusier trouxe, além de seu trabalho como consultor do projeto, a possibilidade de assimilação pelos arquitetos, engenheiros e intelectuais do Rio de Janeiro, de sua experiência intelectual, técnica e artística, sistematizada nas famosas seis conferências ministradas entre 31 de julho e 14 de agosto de 1936, no Instituto de Música. As conferências foram consideradas um acontecimento cultural e social, proferidas pelo homem que revolucionou a arquitetura e o urbanismo do século XX.

O Ministério da Educação e Saúde sintetiza a oportunidade do convívio com o grande mestre internacional, a realização de um projeto que lança o Brasil como o pioneiro na utilização integral dos princípios da arquitetura moderna, com o respectivo reconhecimento internacional da obra de Lúcio Costa e sua equipe. Segundo Elizabeth Harris, o objetivo de Capanema tinha sido alcançado, o de instituir o MES como um “emblema semiótico das tendências artísticas do país”. O MES, como um fenômeno cultural, um signo arquitetônico, sintetiza o ideal e o talento da equipe brasileira e a instituição definitiva da modernidade no Brasil.

 O lirismo de Oscar Niemeyer


A permanência de Le Corbusier no Rio de Janeiro durante quatro semanas propicia o surgimento de um novo mestre da arquitetura moderna. A genialidade de Oscar Niemeyer aflora durante o período, sendo lançado mundialmente em 1939, no projeto do Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, em colaboração com Lúcio Costa.

A experiência inicial da carreira de Niemeyer o leva mais tarde a tecer críticas com relação ao funcionalismo limitante da época, que pregava o ângulo reto, a constituição de uma planta de dentro para fora, a lógica da máquina de habitar e a imposição dos sistemas construtivos vigentes.

Para ele, a verdadeira arquitetura seria baseada na liberdade de criação, na invenção arquitetural - o lirismo da forma. A beleza e a poesia aparecem decorrentes das lembranças das igrejas de Minas Gerais, da sensualidade feminina e das montanhas. Le Corbusier reconhece o talento do artista comentando “Oscar, você tem as montanhas do Rio dentro dos olhos”.

Em 1940, Niemeyer convidado por Juscelino Kubitschek, projeta a Pampulha em Belo Horizonte. Niemeyer considera que o projeto expressa de fato sua visão acerca da forma de uma verdadeira arquitetura moderna brasileira, adequado ao nosso contexto cultural, científico e tecnológico. A forma livre e criadora, as abóbodas variadas e as curvas da marquisa da Casa do Baile rompem com o funcionalismo opressivo. O barroco e a fotogenia se redimensionam na era da máquina.

Em 1957, por insistência de Oscar Niemeyer, o governo federal lança o concurso para a escolha do plano urbanístico de Brasília. Kubitschek já havia escolhido Niemeyer como o principal arquiteto da nova capital, responsável pelos projetos da maioria dos edifícios públicos e residenciais.


Brasília - a mitologia do novo mundo


A idéia da transferência da capital do Brasil para o interior vinha desde 1789. A implantação de uma nova capital no Planalto Central se baseou na premissa de que o novo - a fundação da capital -, resultaria na instituição de um novo Brasil, isto é, a área em foco seria um pólo irradiador de desenvolvimento para todo o país.

Em 1956, Juscelino Kubitschek tinha como principal meta de seu governo a construção de Brasília. A nova capital representou a “meta síntese” de seu Programa de Metas para o desenvolvimento do país. O programa estava vinculado às teorias do desenvolvimentismo da Comissão Econômica para a America Latina (Cepal/ONU) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).

A prioridade dada a Brasília por Kubitschek ocorreu por duas razões principais: primeiro, pela construção da capital ser um elemento de integração nacional (via interior), como também de desenvolvimento regional; segundo, Brasília seria o símbolo do novo espaço nacional em um novo tempo, levando desenvolvimento econômico ao interior e fazendo com que o país se transformasse em uma grande nação.

Plano Piloto de Lúcio Costa, projeto vencedor do concurso, tem a forma de cruz, lembrando “um avião de fuselagem reta e curva, dotado de imensas asas ligeiramente curvas acompanhando o nível da colina”, segundo Yves Bruand. A figura em cruz simboliza a mais pura tradição colonial.

A nova capital, símbolo da comunhão da arquitetura com o urbanismo, apareceu como a primeira cidade planejada em função de uma rodovia urbana, abandonando a rua tradicional contornada por casas ou prédios e tendo como prioridade a disposição do eixo monumental, especialmente os edifícios políticos e administrativos.

O plano é do tipo fechado, explorando a monumentalidade; a estética, o senso de equilíbrio da forma dominando o conjunto; a questão utilitária que orienta o uso do espaço, tendo o plano um caráter racional, característico do urbanismo do século XX. A proposta traz um novo significado psicológico para o homem, pois a transformação do espaço demanda uma forma diferenciada de pensar, sentir e agir.

A conformação dos eixos está diretamente relacionada com a questão pública e privada. Assim, o setor público e a vida privada se fazem representar pelos dois eixos, sendo a área de intersecção planejada para a concentração de atividades mistas.

Vemos, então, que o plano apresenta cruzamento de vias expressas; as unidades habitacionais têm forma e altura uniformes, reunidas nas superquadras residenciais com jardins e áreas coletivas; os prédios administrativos, financeiros e comerciais aparecem ao redor do cruzamento central; e a zona recreativa se localizando ao redor da cidade.

Segundo Lúcio Costa, Brasília representa uma “cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e a especulação intelectual, capaz de tornar-se com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país”. A cidade se constituía no símbolo maior do urbanismo moderno brasileiro, elemento de efetivação do desenvolvimento integral e duradouro da nação. Brasília é um exemplo brasileiro das doutrinas arquitetônicas e urbanísticas pregadas pelos manifestos dos Ciam, com a visão particular de Kubitschek, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.


Lúcio Costa - o maquisard da vida


O pensamento convergente de Lúcio Costa, titular da arquitetura e urbanismo brasileiro do século XX, é identificado pelo conjunto de sua obra, iniciada em 1921, com a casa em “estilo inglês” para Rodolfo Chambellard, na Av. Paulo de Frontin; em 1936, com o Ministério da Educação e Saúde; em 1937, como consultor do SPHAN; em 1939, com o Pavilhão do Brasil na New York World’s Fair; nos anos 40 com o Parque Guinle e o Park Hotel de Friburgo; em 1957, com o Plano Piloto de Brasília; em 1969, com o Plano Piloto da Barra, e em todo o seu trabalho intelectual em prol da arquitetura e do urbanismo.

O trabalho concomitante com a preservação do patrimônio histórico e com o desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo moderno converge para um único objetivo: o de promover o bem-estar do homem a nível físico e psíquico, dentro de um universo sociocultural condizente com suas condições peculiares. E contribuir através da arquitetura e do urbanismo para o estabelecimento de princípios democráticos, igualitários e de justiça social.

A preocupação maior é com o homem e isso o coloca em uma posição ideológica mediadora, “Não sou capitalista nem socialista, não sou religioso nem ateu,- acredito simplesmente na minha velha teoria das resultantes convergentes”, declara Lucio Costa. Essa posição, acima de rótulos estabelecidos, liberto de posicionamentos que poderiam capturar sua ânsia de intervir criativa e harmoniosamente a favor do homem, faz com que sua obra possa ir ao encontro, convirja, a partir de seu espírito visionário, para um determinado momento profissional, revolucionário, que possa provocar mudanças sociais significativas. A obra então materializada constitui um avanço sociocultural, tornando-se um símbolo através dos tempos.

Um maquisard da vida, segundo Maria Elisa Costa, um homem que transformou o cenário brasileiro, promovendo mudanças radicais na forma e no conteúdo da cidade. O maquis de Lúcio Costa, ao contrário do significado original, “sítio arborizado ou montanhoso onde se refugiavam os maquisard (resistentes, combatentes) da 2ª Guerra Mundial, para se organizarem”, é a cidade, universo no qual ele engendrou idéias que redimensionaram a arquitetura e o urbanismo. Um artista que materializou seu ideal e talento, transformando sua obra em expressão simbólica da arte, técnica e bem-estar social. O símbolo do espírito moderno brasileiro.